A Assembleia Nacional Constituinte e a necessária ruptura com capitalismo na Venezuela Bolivariana.
"Tan
solo el pueblo conoce su bien y es dueño de su suerte; pero no un poderoso, ni
un partido ni una fracción. Nadie sino la mayoría es soberana y dueña de su
destino."
Simón Bolívar
Desde
a eleição de Chávez em 1998, quando se inicia a Revolução Bolivariana,
ocorreram vinte e um (21) processos eleitorais[2].
Em
31 de julho de 2017, realizou-se na República Bolivariana da Venezuela a
eleição para a Assembleia Nacional Constituinte/ANC. Votaram um total de
8.089.320, ou seja, 41,5% dos eleitores, sendo eleitos 545 constituintes[3], escolhidos entre mais de
seis mil candidatos que, não optaram pelo boicote à ANC, de todas as
orientações partidárias ou independentes. Mais de um milhão de venezuelanos e
venezuelanas participaram da organização de todo esse processo.
Considerando
que as eleições não são obrigatórias; que a Venezuela está imersa há alguns
anos em uma conjuntura de guerra econômica[4], violência fascista
praticada pela oposição[5] e que o imperialismo
destina milhões de dólares para influenciar a opinião pública venezuelana[6], as eleições para a ANC
demonstraram a vitalidade do projeto histórico bolivariano de transição ao
socialismo na Venezuela.
Isso
se torna mais surpreendente quando se constata ter sido a maior votação obtida pelo
bolivarianismo desde a eleição de Chávez há 18 anos, mesmo com as ameaças e
sanções econômicas e políticas por parte do imperialismo estadunidense e seus
aliados na Europa e na região[7], que pretendiam amedrontar
os venezuelanos e venezuelanas.
Para
compreender tal vitalidade, faz-se necessário retroceder no tempo e entender o
papel do levante ocorrido em 1989 no processo de construção da consciência crítica
do proletariado venezuelano.
Entre
27 de fevereiro e 06 de março de 1989, o exército e a polícia usaram quatro milhões
de balas para reprimir o povo que, empobrecido e esfomeado, saiu insurrecionalmente
às ruas para reclamar os seus direitos. Esse levante foi uma resposta às
políticas antipopulares de austeridade financeira do governo socialdemocrata de
Carlos Andrés Pérez, que aumentou a renda per capita do país, ampliando
brutalmente, em contrapartida, o desemprego e aprofundando as desigualdades na
distribuição da renda. Esse massacre ficou conhecido como El Caracazo[8].
O
El Caracazo marca a crise e o declínio da Quarta República[9] e o despertar de um
bolivarianismo radical nas classes populares, que desemboca em duas
insurreições cívico-militares de jovens oficiais, sob o comando do coronel Hugo
Chávez, sufocadas em 1992. Nesse contexto político e social constituiu-se, como
instrumento desse bolivarianismo radical, a liderança de Chávez que, com 44
anos, vence as eleições presidenciais realizadas em 6 de dezembro de 1998, com
56% dos votos válidos, iniciando a implementação do bolivarianismo como caminho
venezuelano para o socialismo.
A
compreensão dessa experiência de fundação e o quanto esse momento histórico contribuiu
para a clareza que o bolivarianismo sempre demonstra em suas políticas são
fundamentais: a miséria econômica não pode ser derrotada sem que a miséria política
seja superada.
Exatamente
por essa clareza, os trabalhadores e trabalhadoras sempre foram convocados a protagonizar
o processo político de enfrentamento com as classes dominantes e o imperialismo,
em todos os seus aspectos, incluído nesse processo a importância estratégica da
união cívico-militar[10].
O
combate à miséria politica, apesar da guerra econômica em curso, tem apresentado
resultados nos campos econômico e social. O índice de 0,767 (2015) posiciona a
Venezuela em uma categoria de elevado desenvolvimento humano, na 71ª colocação
dentre 188 países. Os dados demonstram que de 1990 a 2015, o IDH da Venezuela
aumentou de 0,634 para 0,767, ou seja, um aumento de 20,9%. Nesse período, a
expectativa de vida subiu 4,6 anos e os anos de escolaridade média geral
aumentaram 3,8 anos. O rendimento nacional bruto per capita aumentou cerca de
5,4%.
Esse
protagonismo popular e classista vem se afirmando como o fator que permite a
vitalidade e a força da Revolução Bolivariana para enfrentar os obstáculos e
desafios que se colocam ao projeto histórico de transição ao socialismo em
curso na Venezuela, incluídos os erros e equívocos. Porém, mesmo estando
atentos ao alerta de Lenin no sentido de que “aqueles que esperam ver uma
revolução social ‘pura’ nunca viverão para vê-la”, essa força e vitalidade oriundas
da participação e do protagonismo dos setores populares, por si só, não garantirão
a continuidade do processo revolucionário e a superação dos seus limites.
Como
destacado anteriormente, o combate à miséria política levado a cabo nos dezoito
anos de Revolução Bolivariana tem contribuído para o desenvolvimento da
consciência crítica do proletariado, que não está ligado somente às posturas teóricas
ou propagandísticas das forças de definição socialista, vinculando-se,
fundamentalmente, com a prática, a experiência de luta e com o exercício direto
do poder político por parte dos trabalhadores e trabalhadoras venezuelanos. Exatamente
esse exercício está desmontando o véu que oculta dos trabalhadores e
trabalhadoras a necessidade de transformar profundamente as estruturas sociais
que os libertem de todas as formas de dominação.
Necessidade de que a ANC aponte a
ruptura com o estado capitalista e a democracia burguesa.
Mesmo
o programa de libertação nacional - que corresponde ao primeiro momento do
caminho ininterrupto ao socialismo - não pode ser aplicado plenamente dentro
dos limites das relações de poder do capitalismo dependente venezuelano. Para
avançar a Revolução Bolivariana rumo ao socialismo, foi necessário iniciar o
processo de modificação das relações de poder por meio das comunas e conselhos
comunais[11];
não só porque a luta de libertação nacional e o caminho para o socialismo são
um único processo, mas também porque a quebra das relações de dependência impõe
a ruptura das relações de poder na qual se articula e se apoia essa
dependência.
Alcançar
essas características não significa alcançar o socialismo, fruto de um processo
longo e complexo no qual está em jogo a combinação de muitos elementos. É
preciso assinalar duas questões fundamentais: em geral, a realização do
socialismo significa romper com a democracia burguesa, avançando no sentido de
uma democracia participativa e protagônica; além disso, em particular, não é
possível romper com a democracia burguesa sem superar os limites que lhe impõe
o poder do capital estrangeiro e dos grupos nacionais exploradores.
Portanto,
para abrir caminho à transformação revolucionária rumo ao socialismo, o
bolivarianismo iniciou um processo de superação da democracia burguesa,
limitada pelo poder das minorias antinacionais e antipopulares, apontando para
uma futura democracia participativa e protagônica, que tenha como base as
comunas e os conselhos comunais.
Foram
exatamente os primeiros passos da Revolução Bolivariana nesse sentido que acirraram
a luta de classe nos últimos anos e a intervenção aberta e violenta do
imperialismo estadunidense e seus aliados internos e externos.
As
consequências desse acirramento demonstram a necessidade de duas reflexões para
a luta bolivariana: em primeiro lugar, a inviabilidade de uma "fase
intermediária", durante a qual, sem alterar as relações de poder político do
capital, seriam produzidos avanços e transformações na economia e no campo
social que permitiriam, de forma gradual, consolidar uma democracia participativa
e protagônica, chegando-se à ruptura da dependência. Em outras palavras: esse
processo de acirramento deixa claro que para que o programa de libertação
nacional da Revolução Bolivariana possa ser aplicado não é suficiente a chegada
ao governo ou uma mera troca de regime político. A aplicação de um programa voltado
claramente ao rompimento da submissão do país com os interesses internacionais
e com os setores dominantes nacionais só é possível se forem rompidos todos os
instrumentos econômicos, políticos e ideológicos que articulam essa
dependência.
Em
segundo, é preciso abandonar a crença em um processo de desenvolvimento
capitalista independente e sustentável garantidor de um estado de bem-estar
social e conduzido por um pacto de classe com a "burguesia nacional”. O
processo de integração internacional, no modelo capitalista, de um país
dependente como a Venezuela é um dado absolutamente evidente, que não pode ser
deixado de lado em uma análise séria.
No
mundo de empresas transnacionais, que produzem, distribuem e extraem benefícios
em escala mundial, as possibilidades de desenvolvimento independente e autossustentável
dos capitalistas que operam em escala nacional carecem de significação. O
horizonte atual das “burguesias nacionais" se limita, em todo caso, a
buscar as melhores formas de integração possível dentro das relações de poder
que comandam os interesses do capital internacional.
Por
tudo isso, a reorganização da sociedade venezuelana, no sentido da libertação
nacional rumo ao socialismo, sob as condições da atual conjuntura politica e do
poder de estado no capitalismo dependente, tem sido um processo limitado,
distorcido e provisório, que se apresenta cotidianamente como a antessala de um
confronto iminente. A convocação da ANC surge a partir desse contexto, para que
mais uma vez sejam definidos pelo protagonismo popular e classista os avanços
necessários ao aprofundamento da Revolução Bolivariana no caminho do socialismo.
Inexiste
espaço para ilusões. O interesse estratégico dos inimigos da Revolução
Bolivariana é a manutenção do poder por meio de governos eleitos pelo voto ou
por qualquer outro meio que possam utilizar. Apostam até mesmo em um processo
de “transação”, do qual resultaria a descaracterização dos objetivos e
compromissos da Revolução Bolivariana.
A
realidade concreta indica duas possibilidades: ou o processo constituinte define
soberamente modificações na Constituição Bolivariana de 1999 para iniciar uma
transição socialista na Venezuela, ou presenciaremos uma derrota sem
precedentes para nossa Pátria Grande, pois a República Bolivariana da Venezuela
é a vanguarda objetiva no enfrentamento dos planos imperialistas dos
estadunidenses e seus aliados europeus de recolonização de nosso continente.
[1] Aurelio
Fernandes é membro do Comitê de Solidariedade com a Revolução Bolivariana no
Rio de Janeiro, graduado em Licenciatura em História pela UERJ, pós-graduado em
História Social pela UFF e Mestre em Ensino de História pela UERJ.
[2] Na Venezuela há uma
democracia multipartidária, na qual qualquer força política pode concorrer aos
processos eleitorais; o PSUV, o partido fundado por Chávez, perdeu as últimas
eleições legislativas e existem vários departamentos e municípios governados
por partidos de oposição.
[3] Desse total, 364 foram
eleitos pelos municípios, 79 pelos trabalhadores, 28 por aposentados, 24 pelos Conselhos
Comunais, 24 pelos estudantes, 08 por camponeses, 08 por indígenas, 05 por pessoas
com deficiência e 05 por empresários. Cerca de 200 dos delegados constituintes
são jovens estudantes e trabalhadores.
[4] A guerra econômica
executada na Venezuela desde 2013 por parte da direita apoiada pelo governo dos
EUA inclui desestabilização, estocamento, especulação e contrabando de extração,
tendo como objetivo repetir as circunstâncias que possibilitaram o golpe contra
Salvador Allende, no Chile, em 1973, após a direita promover a escassez e a
carência da população.
[5] A Venezuela está
sendo alvo de atos de ódio, impulsionados por grupos fascistas, dirigidos e instigados
pela Mesa de Unidade Democrática opositora. Desde abril passado até fins de
julho, 27 pessoas foram queimadas vivas. A maioria morreu. Os sobreviventes testemunharam
o desprezo pela vida praticado pelos opositores fascistas. Os agredidos eram
funcionários do governo, negros, pobres ou simplesmente acusados de serem
chavistas ou simpatizantes do governo bolivariano. A ONU tipifica essas ações
brutais como “crimes de ódio”. Tais atos demonstram a natureza fascista da
oposição venezuelana, que utiliza todo o tipo de crimes para atingir seus
objetivos. Até a embaixada dos EUA em Caracas alertou seus cidadãos sobre o
caráter violento dessas manifestações, sugerindo que se mantivessem afastados
dos locais onde ocorreram.
[6] https://gz.diarioliberdade.org/america-latina/item/139395-ongs-de-fachada-sao-financiadas-do-exterior-para-promover-intervencao-na-venezuela.html
[7] Artigo do Moon of
Alabama, publicado em 28/07/2017, analisa como a mídia norte-americana sugere
pistas para uma intervenção militar na Venezuela. A mesma estratégia de
“mudança de regime” já foi aplicada em outros países, com o mesmo objetivo: o
controle do petróleo e dos recursos naturais do país. https://jornalistaslivres.org/2017/07/contagem-regressiva-para-uma-guerra-dos-eua-contra-venezuela/ Documento do Comando Sul dos Estados Unidos
intitulado “Venezuela Freedom 2 – Operation”, no qual se propõem 12 passos para
desestabilizar e gerar um final abrupto ao governo do presidente Nicolás
Maduro: http://www.patrialatina.com.br/operacao-venezuela-12-passos-para-um-golpe/
[9] Entre 1958 e 1998, no
período conhecido como Quarta República, vigorou na Venezuela o “Pacto de Punto
Fijo”. Assinado em 31/10/1958, após a queda do Pérez Jimenez e antes das
eleições marcadas para aquele ano, o referido pacto foi um acordo entre os
partidos políticos venezuelanos Ação Democrática (AD), Comitê de Organização
Política Eleitoral Independente (Copei) e União Republicana Democrática (URD)
para sustentar a democracia recém-instaurada por meio da participação
equitativa de todos os partidos no executivo, excluindo o Partido Comunista da
Venezuela, que foi posteriormente perseguido.
[10] No dia 11/04/2002, a
direita venezuelana - a mesma aglutinada hoje na opositora MUD, com o apoio
explícito do imperialismo estadunidense e dos grandes meios de comunicação
nacionais e internacionais -, organizou um golpe de estado. Horas depois, o
povo saiu às ruas, enquanto integrantes da Força Armada se rebelavam contra os
golpistas. Multidões cercaram os quartéis em toda Venezuela, exigindo um
posicionamento dos militares em defesa da Constituição Bolivariana; em Caracas,
os trabalhadores e trabalhadoras das favelas desceram os morros e se dirigiram
ao Palácio Presidencial de Miraflores, onde receberam o apoio da Guarda de
Honra. Ante a exigência de ver Chávez, e sem um verdadeiro apoio militar, os
golpistas foram derrotados. Com a derrota dos golpistas, consolidou-se na
consciência critica do proletariado a necessidade - sempre defendida por Chávez
-, da união cívico-militar. Retrata esse processo o filme “A Revolução nãos
será televisionada”: https://www.youtube.com/watch?v=tRypWYgTKuE.
[11] As comunas foram
criadas para constituírem formas de autogestão produtiva e política pelos
trabalhadores organizados. Possuem um aparato institucional próprio e empresas
de propriedade comunal, mantidas sob o controle dos trabalhadores associados, sendo
os excedentes completamente revertidos em prol da própria comunidade. São
experiências ainda incipientes, que revelam imensa pertinência histórica ao
instituírem formas de organização política e de propriedade dos meios de
produção distintas das dominantes http://www.telesurtv.net/opinion/Existen-las-comunas-en-Venezuela-20170215-0027.html
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